Quando a sustentabilidade ganha dicionário, o comunicador não pode seguir improvisando

Natália de Campos Tamura, Dra. e Danilo Gurdos

25 nov 2025
ODS sustentabilidade ESG tendencias scaled

Durante anos, a comunicação corporativa sobre sustentabilidade viveu num lugar confortável ainda que perigoso. Slogans inspiradores, compromissos amplos, campanhas emocionais. Entre intenções legítimas e discursos performáticos, o campo semântico era elástico o suficiente para caber quase tudo.

Como comunicadores, acreditamos que esse tempo talvez esteja para acabar.

Com a instituição da Taxonomia Sustentável Brasileira (TSB) pelo Decreto 12.705/2025, como instrumento central do Plano de Transformação Ecológica, o Brasil passa a ter um sistema oficial para dizer o que é e o que não é sustentável, com critérios técnicos, objetivos, verificáveis.

Isso muda menos a retórica do que parece, e mais o ofício de quem a produz.

Não se trata de um novo jargão para relatórios. Trata-se de um marco de negócio e linguagem: a partir de agora, qualquer narrativa que se proponha a falar de clima, biodiversidade, desigualdades, finanças verdes ou impacto social, em uma empresa relevante no Brasil, passa a conviver com uma referência oficial que organiza o que conta como contribuição substancial, o que não pode causar dano significativo, quais salvaguardas mínimas precisam ser respeitadas e quais objetivos o país decidiu priorizar.

Em outras palavras: a TSB não é só um documento técnico. É um espelho. E precisará ser levado em conta. Comunicadores e profissionais de sustentabilidade vão precisar decidir se querem aparelhar esse espelho ou apenas reagir a ele.

Do adjetivo ao critério: o deslocamento silencioso atinge a comunicação

A TSB nasce com 11 objetivos climáticos, ambientais e socioeconômicos, integrando mitigação, adaptação, biodiversidade, água, economia circular, combate à poluição, trabalho decente, equidade, redução de desigualdades e qualidade de vida.

Ela estabelece que uma atividade só será considerada alinhada se:

  1. Contribuir substancialmente para pelo menos um desses objetivos;
  2. Não prejudicar significativamente os demais (“Do No Significant Harm” / Não Prejudicar Significativamente);
  3. Cumprir Salvaguardas Mínimas — incluindo direitos humanos, integridade socioambiental, critérios trabalhistas, equidade racial e de gênero.

Esses critérios deixam de ser “referências inspiradoras” e passam a ser arquitetura regulatória: base para rotular produtos financeiros, orientar investimentos públicos e privados, redesenhar incentivos e produtos, influenciar seguros, crédito, compras públicas, títulos rotulados “sustentáveis” e sistemas de monitoramento de fluxos verdes.

No fundo, a mensagem é simples e radical: não basta dizer que contribui; será preciso mostrar como, segundo um vocabulário comum.

Para a comunicação corporativa, isso tem consequências profundas:

  • “Projeto transformador” sem evidência mensurável deixa de soar grandioso e passa a soar frágil.
  • “Negócio sustentável” sem aderência a critérios oficiais passa a convidar auditoria, não aplauso.
  • “Compromisso social” sem conexão com os objetivos socioeconômicos da TSB passa a parecer incompleto.

A TSB não censura narrativas. Ela as enquadra.

O novo lugar dos comunicadores: de decoradores de discurso a arquitetos de integridade

Se a TSB é um sistema de classificação técnica, onde entram os comunicadores?

Exatamente onde o risco é mais alto: na fronteira entre o que a empresa faz, o que ela reporta e o que ela promete.

A partir de agora, comunicadores e profissionais de sustentabilidade são desafiados a assumir, juntos, três papéis estratégicos:

  1. Curadores de linguagem responsável: checar se “verde”, “climático”, “social”, “inclusivo”, “justo”, “regenerativo” estão sendo usados com responsabilidade frente aos critérios e objetivos da TSB. É a linha tênue entre narrativa ousada e greenwashing regulatório.
  2. Tradutores entre técnica e reputação. A TSB nasce ancorada em ciência, governança robusta, critérios de MRV e interoperabilidade com taxonomias internacionais. Transformar isso em narrativas compreensíveis — sem diluir o rigor — deixa de ser “desejável” e passa a ser uma competência crítica.
  3. Guardiões da coerência: campanhas, relatórios, discursos de liderança, posicionamentos públicos, metas climáticas, compromissos sociais, produtos rotulados como sustentáveis: tudo passa a ser lido em diálogo com a TSB. O comunicador que entende esse tabuleiro ajuda a empresa a alinhar discurso, governança e estratégia. O que não entende, expõe a organização.

A pergunta deixa de ser “como contamos bem nossa história?” para se tornar: Nossa história resiste à taxonomia, às salvaguardas, às evidências, e às perguntas que virão?

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